Thursday, November 02, 2006

A Hora e a Vez de Billy Nayer


Dizem por aí que a cidade de Nova York nunca dorme. Não duvido que, pra qualquer filme de Antonioni, ela abra uma exceção. Apesar de todo o oba-oba a respeito da competência do signor do neo-realismo italiano, admito haver quem faça – e fale – melhor, o que pode ser comprovado numa das melhores entrevistas não lidas de todos os tempos, dada por Orson Welles ao (bem menos) célebre diretor Peter Bogdanovich.

Na conversa, Welles, já um filho da puta de respeito na versão bigger, larger and uncut dos seus anos finais, mete o pau em Godard, a trolha na nouvelle vague e respinga alguma coisa em toda essa borogodagem intelequituau que, na dúvida, opta sempre pela consagração mais irritante – daí o nariz torcido do entrevistado para os 122 minutos mais esquecíveis de sua vida com um filme de Michelangelo. De botar pra fuder, não? Pois – nas palavras do próprio – a história é a seguinte:

"Um dos motivos de eu me entediar tanto com Antonioni – aquela coisa de achar que uma boa tomada vai ficar melhor ainda se você continuar olhando para ela. Ele lhe dá um plano aberto de alguém andando pela rua, da cabeça aos pés. E você pensa: 'Bom, ele não vai levar essa mulher até o fim da rua'. Mas leva. Aí a mulher some e você continua olhando a rua depois de ela ter sumido".

Ora, ter alguém do peso de Orson chamando de cuzão a darlinga de toda essa cambada que venera (quase sempre sem saber o porquê) tudo aquilo capaz de provocar a maior concentração de bocejos por metro quadrado desde o último relatório sexual de Rivers Cuomo é mais do que animador. É gozante. E se a essa altura seja bem provável que você deva estar se perguntando por que consumi quatro parágrafos dessa resenha sem tocar uma vez sequer no filme que abriu a lauda em primeiro lugar, adianto: as razões são múltiplas.

Primeiro porque, mais do que uma obrigação, é sempre um prazer se valer de qualquer pretexto para incinerar o filme do italiano. A unanimidade, já dizia Nelson, é burra. Antonioni, por sua vez, é só chato. Não que o ritmo lento de suas obras seja a única coisa que me incomoda. Não é por aí. É pelo contrário. Eu aprecio Pasolini. Não me entediei com Last Days. Transaria com a Sandy. Eu gosto de lento. Eu curto lento. The American Astronaut, apesar de musical, não é nenhum Moulin Rouge, por exemplo: trocentas algumas-coisas pipocando na tela com o tipo de urgência que transfere o espectador à pele de um garoto de 14 anos pegando no seu primeiro peitinho.

As coisas tomam tempo – o quanto for necessário – para fazer sentido – e esse quase sempre é rigorosamente nenhum. Cenas absolutamente desconexas a uma simbologia ou a uma razão-de-ser criam uma aura niilista perita em passar a impressão de que, ao longo dos 91 minutos de filme, o diretor está tirando uma com a sua cara, e só. Se entrar no clima dele, beleza. Rio Yeti, por exemplo, é uma das cenas mais geniais da história do cinema. Tudo é nonsense. Nada faz sentido. Ou não. Como nos melhores Herzogues.

Também não é nenhum aspirante à Máquina Mortífera XVIII. As coisas não acontecem tudoaomesmotempoagora e a câmera se sente livre para prolongar momentos que fariam qualquer editor de Hollywood arrancar os cabelos – do cara ao lado. Aquela coisa de achar que uma boa tomada vai ficar melhor ainda se você continuar olhando para ela. Nosso filme, as a matter of fact, tem cenas do gênero. Mas não 94 anos. E muito menos pretensão maior para elas. Basta.

Em suma, o desconhecido Cory McAbee é quase tudo o que Antonioni não é. A medida perfeita. E, exatamente por isso, seríssimo candidato à melhor coisa que ainda não aconteceu para o cinema desde 1887 (um ano antes do booty shake contest rodado por Louis de Prince, que antecedeu os Lumière e se fundou como o primeiro feto prematuro da sétima arte). É uma pena – ou uma vantagem, sempre é incerto – que seja tão pouco conhecido, mesmo nos circuitos alternativos.

Até porque, de causar maior burburinho nos bastidores do palco alternativo, é verdade que Astronaut, seu longa de estréia, passou longe. Por pouco. Exibido no Sundance de 2001, competiu com queridinhos que, para muitos, até hoje dizem respeito ao que há de mais di-vi-no no übercult way of life, como Memento e Donnie Darko. Os três, aliás, comendo juntos da poeira da derrota levantada pelo vencedor nas categorias drama e diretor, Hedwig and the Angry Inch, o badaladinho musicult esquisitofrênico de John Cameron Mitchell.

What the fuckelse is new?
Há diversas formas de se começar uma crítica para The American Astronaut. Umas delas é descrever (ou morrer tentanto) o sci-fi spaghetti musical protagonizado por Samuel Curtis, um terráqueo contrabandista que recebe a missão de transportar um carregamento valiosíssimo para Vênus – um planeta habitado por toda uma raça de mulheres e um só homem para saciar seu apetite sexual: The Boy Who Actually Saw a Woman’s Breast, garotão de 15 anos que serve de inspiração para os trabalhadores de um planeta onde o contato com o sexo oposto é tão inimaginável quanto uma lua de mel vitoriana.

É possível, ainda, destacar o fabuloso trabalho da Billy Nayer Show, banda do diretor Cory McAbee que assina os números musicais (que, à moda da No Smoking Orchestra de Emir Kusturica, passa a refrescante impressão de algo enfim original por aí com performances como Girl With the Vagina Made of Glass). Quem sabe apenas o fabuloso trabalho do diretor Cory McAbee – ele próprio uma espécie de Orson Welles reloaded, um verdadeiro faz-tudo – e tudo bem pra carái – quando se trata da sua arte: escreve, produz, atua, dirige e traz (ou rouba) seu amor perdido em três dias, enfim, coisa pra caceta e do caceta.

Eu não sei escrever críticas. Nunca soube, sempre quis e tenho raiva de quem sabe. Sintetizar pensamento é foda – quatro laudas depois, you got the point. Mais foda ainda de se sintetizar, no entanto, é tudo aquilo que senti depois de trocênios alimentando a certeza de que cinema bom era isso aí, bom e enterrado no passado, enchendo as fuças de uísque com Welles, Leone e cia no bar mais capenga do Cemitério dos Fodões. Talvez The American Astronaut não seja tudo isso. Mas pode ser, sem parecer força a barra para tanto. Ao contrário da maioria por aí.

Ser indie – de independente, na origem correta e largamente abandonada do termo – acaba sendo um triste pleonasmo para os freqüentadores de uma statusfera alternativa pouco original, sempre à espera de um messias (que descerá à Terra lendo Kant e ficando doidão de pó após uns belos tapinhas na bunda da Baby Spice) para registrar o que é cool ou não numa tábua de novos mandamentos, cujo único valor digno de mérito é servir de base para alinhar suas carreiras.
Suponhamos que o average indie film maker produza 19 filmes por ano. O mais perto que ele chegou de Jim Jarmusch foi devorando um McWenders na 4º mesa à esquerda na lanchonete bacana de Sundance. Não é de todo fácil ser Jim. Não basta mostrar a bunda pro sistema. Até porque entre mostrar e dar a diferença é pouca. Cory não é Jim, mas é tão bom quanto (hesito em dizer melhor, mas WTF?). Cory é Cory. Outro à parte. Da parte boa. Cory é dos bons, doutor, pode confiar.

Woke up desthinking of you

que papo mais neo-cabeça.

Sunday, October 22, 2006

Introdução à História do Cinema

( ou Tudo o que Você Nunca Quis Saber Sobre Cinema Europeu e Sempre Teve Coragem de Não Perguntar )
Primeiro módulo na formação de um cinéfilo porém de suma importância para o resto do curso, uma vez que aqui se dará seu primeiro contato real com o mundo do cinema a partir de uma série de (re)flexões acadêmicas com as mais conceituadas escolas ôropéias de retaguarda audiovisual. Já na primeira aula, ensinar-se-á como o cinema europeu se debruçou nos clichês mais inusitados e nos lugares-comuns menos visitados para compor um repertório fílmico com um padrão altíssimo de qualidade intelectual e, de quebra, alçar nomes como John-Luke Godár e Frank Trufô à Imortalidade, um lugar especialmente agradável para quem está em dia com o aluguel e satisfeito com a cor de seu cabelo.

O caixeiro-viajante é outra personagem recorrente na cinematografia européia a ser radiografada por aqui: figuras muito populares em países altamente impopulares, eles imprimiram forte fascínio em toda uma geração de artistas, literatos e vendedores de enciclopédia. Suas histórias de vida já inspiraram tramas inesquecíveis da cinemateca européia, como os épicos “E o Correio Levou...” e “Minha Vida de Inseto”, ambos dirigidos por Alfred E. Newman, cineasta talentoso porém amargurado pela crescente suspeita de que sua mulher o traía com seu próprio eu lírico toda vez que ele saía para comprar alcachofras.

Já “Croach Fiction – Tempos de Correspondência” seja talvez o mais belo expoente do movimento retaguardista – que tem como principal conceito-fetiche o uso de guaxinins enraivecidos para o papel da mocinha do filme. O longa-metragem, de autoria de um jovem diretor tcheco que, curiosamente, passou todo o processo de produção do filme acreditando que estava de fato estabelecendo contato com o espírito de um indígena escandinavo que sofria de gases, foi filmado em pleno Morro dos Ventos Uivantes - point mais badalado dos alternativos desde de que se descobriu que o ar da Colina das Brisas Sibilantes só era próprio para algumas espécies de vidas mais prosaicas, como bactérias, arbustos e high schools americanos.

Na realidade, não seria a primeira vez, tampouco a única, que caixeiros-viajantes se transformariam em baratas, estudantes de comunicação ou na roupa de baixo de Lionel Richie nas mãos de grandes nomes da Europa. Muitos desses diretores, no entanto, acabariam impedidos de prosseguir sua carreira devido à contração de uma estranha doença durante as filmagens do musical Le Kafcafé, cujos principais sintomas consistem em sudorese, verborragia e na incapacidade de cantar parabéns sem se despir na frente da família do seu namorado (e vice-versa).

O corpo docente do curso não deixa margem de dúvida quanto à excelência de seus catedráticos, começando pelo próprio diretor do curso, Andrrré Bazãn, fundador do histórico Cahiers du Cinemá e peso-pesado do ramo em todos os sentidos: o pensador não só é dono de uma perícia cinematográfica sem igual, como também possui uma compleição física capaz de comportar cem gêmeas Olsen em cada perna.

Air-Bargman, renomado cineasta e sociólogo dedicado ao estudo de hábitos culturais e marchinhas de carnaval suecas nas horas vagas, é o responsável pela cadeira de Sociologia, Hábitos Culturais e Marchinhas de Carnaval Suecas nas Horas Vagas. Infelizmente, o mais provável é que a turma perca a maior parte de sua fala por causa de um já lendário problema fonodiólogo, que faz com que ele só consiga lecionar suas aulas aos gritos e sussurros. (O que muitas pessoas julgam como mais intrigante na situação é o fato de sua audição ser, particularmente, bastante sensível, visto como toda vez que um aluno emite qualquer tipo de som da aula, ainda que para respirar ou recitar o refrão de I Will Survive em turco, ele imediatamente o xinga de Smultronstället e deixa a sala desabalado em ritmo de marcha atlética.)

Outro cineasta que costumava dar as caras por lá era Roman Polanski, responsável pelo módulo sobre a decupagem de menores até que, numa inesperada e de fato irônica reviravolta, foi obrigado a abandonar a carreira por motivos de uma força menor de idade. É claro que muitos outros nomes importantes já circularam pelos corredores da faculdade, mas a verdade é que, desde a última grande crise entre Bazãn e seu sanduíche de carne, que se recusava a ser chamado de hamburguer pela nova geração de estudantes, grande parte deles se aposentou para ir à Hollywood filmar documentários sobre o acasalamento entre espécies completamente distintas do mundo do espetáculo, como estrelas de cinema e os Oscares de Melhor Efeito Especial e Edição de Som de 1996.

Até o fim do período, o aluno será levado a fazer uma série de descobertas que mudarão para sempre sua relação com a Sétima Arte - o que provocará muitos ciúmes na Terceira e na Quarta, mas um polegar levantado de “é isso aí!” por parte de todas as outras. Em primeiro lugar, verá que sua capacidade de citar toda a obra de Pasolini de trás para a frente e pulando numa perna só será paulatinamente aprimorada. O que no futuro, lhe renderá, rigorosamente, nenhum sexo e algumas bolinhas de papel numa roda de discussão.

O aluno passará da condição de iniciante para iniciado e conquistará o direito de desferir opiniões que, a partir de agora, serão consideradas válidas pela Academia, contato que respeitem as regras básicas de nunca deixar de falar mal do cinema hollywoodiano e a passarem manteiga nos sapatos de outros cinéfilos como prova de sua superioridade. Contudo, sem dúvida a maior lição que poderá ser aproveitada depois de um semestre de curso será a revelação de que a vida pode até ser curta, mas que um filme de Fellini nunca o é.
( Escrito em 16.04.05, vai, projeto deixa-disso: é bobonitinho, affê. )

Friday, October 13, 2006

The strange case of Dr. Gahlinger and Mr. High

Parto normal? Give my vagina a break.

Paul Gahlinger disse quase tudo. Médico e escritor, publicou, em 2003, Illegal Drugs, um livro em que defende o uso de drogas para doentes que lidem com dores de intensidade semelhante a sessões de karaokê com Cindy Lauper cantando Ron Coby. Dia. Após. Dia. O que, a priori, permitiria a pacientes sem histórico masô se aliviarem curtindo um teco ou esbofeteando a pantera. Em suma: pariu? Pelo cu? Segundo o doutor, qualquer mulher à beira de um ataque de fetos pode, com uma justa dose de LSD, deixar de se sentir como Maria Antonieta de Las Nieves dando à luz toda uma equipe da NBA.

Fair enough? Tudo indica que sim. Muitas drogas de hoje já foram o remédio de ontem. Para endossar a premissa-mor de seu livro (a qual eu apóio com o mesmo fervor de um garoto de treze anos que vai à banca da esquina comprar sua primeira edição de Evil Tits), Gahlinger lembra que a proibição das drogas, antes de ser uma máxima científica, é baseada na tradição. Para qualquer pessoa mais esclarecida, afirmar isso é quase senso comum (que já se desconfia ser meio chapado anyway).

Até porque parece simples. E é mesmo. Para alguns séculos e outras tantas culturas, se o que o paciente precisasse para suavizar seu sofrimento era a mala-de-mão de Ozzy Osbourne , era isso o que ele conseguiria. Na era da Guerra Contra as Drogas, tudo mudou. Pra pior. Pois bem: imagine-se feliz. Chegue em casa, coma sua esposa e beije seu filho antes de dormir. Agora, adicione um câncer. Retal. Suas mãos tremem e não é da emoção em espiar sua vizinha fazendo ioga. Meses de hospital, DOR e gelatina. E quer saber? Comprimidos em tamanhos correspondentes a cada um dos Jackson Five não o farão se sentir fa fa fa far better, apesar do que a enfermeira gostosinha de E.R. ensinou pra você.

É complicado. Claro que é. Drogas podem ser legais no sentido “ei, vovô é gay!”, mas não no que concerne à lei. Há quem diga mais: a princípio, não há como impedir que uma reles enxaqueca faça com que o Natal chegue mais cedo na casa do Pete Doherty que existe dentro de cada um de nós. Você pode até falar, “ok, isso é aceitável”. Mas classificaria o leitor de “aceitável” uma performance de Fagner em collant e aramaico? Na verdade, o pensamento é simples: defina: dor. É complicado. Claro que é. Para um canceroso, por exemplo, não é uma questão de “se sentir dor”, mas de “quando sentir dor” – e isso é o tempo todo.

Acontece que, para algumas pessoas (e inclua nesse grupo “todas elas”), nem sempre essa enfermidade é sinônimo de um glioblastoma multiforme de grau IV pressionando seu cérebro a confundir sua mulher com um chapéu. Tio Schops que o diga: viver dá câncer. Como um todo. Empresários gordões à espera de massagistas suecas estapeando sua bunda flácida ao som de um hit qualquer da Enya dá câncer. Faustão dá câncer. Moral dá câncer. Sofia Coppola dá câncer. Fuder dá câncer. Câncer e sífilis. Tudo é relativo. Ou não.

Pois é precisamente aí que entra a tal da jurisprudência. Na hora de mandar para o saco uma retórica mais usada que sabonete de prisão pela indústria farmacêutica - controlada por poucos e porcos filhos da puta mais preocupados em inventar doenças novas e exóticas para embocar na população via supositório publicitário - o famoso “pau no cu do consumidor”. Se o argumento máximo para combater a legalização das drogas no caso de doenças é o de ser muitas vezes impossível saber se alguém não está sendo verdadeiro a respeito da sua condição apenas para facilitar seu acesso a substâncias ilícitas, ponho em pauta um ponto ainda mais válido ao meu ver: num mundo como o nosso, a sobriedade não é terminante: é terminal. Algumas coisas não entram na minha cabeça. Drogas, felizmente, não é uma delas.

Saturday, September 30, 2006

Párfétt, capott, fuck it (hoje acordei meio retardatária)

Hoje tudo o que só acontece comigo aconteceu comigo. Obviously. O Festival tá sendo um fracasso. So far e só vi 12 filmes. Parecia mais. Valia menos. Tá foda. E no duro que o comercial da pipoca japa deixa de ser lindo depois do sétimo filme. Enfim, é aquela velha história do foda-se.

Um BTW: texto novo esta semana. Você liga? Thought so.

C'mon, woman! Be a man!

TV On The Radio, alguém? Tô comprando.

Saturday, August 05, 2006

In te, Domine, speravi

Santa Maria Clara tinha nome e fama de Copacabana, mas desfilava há dezenove anos pelas bandas de Botafogo. Gostava do bairro. Da mesma forma como gostava de Derby mentolado, dar de quatro e bife à parmegiana. Saboreava a todos com igual prazer. As ruas cheias de gente. Às vezes, passeava por elas e comprava um sanduíche de queijo e presunto no botequim da Rua Paula Barreto, mas acomodava a maior parte do dia na cama. Tinha suas preferidas. Conhecia quase todas. Viver era uma questão de tempo, e Santa não perdia nenhum.

Os ponteiros a oeste quando conheceu Augusto Soares, uma tarde na Cobal. Forasteiro da Urca, das pernas grossas, fala macia. Ao longo da vida, se arrependeu de muitas coisas, e essa definitivamente era a melhor delas. O primeiro tapa foi também o último. Já os murros, como a história, gostavam de se repetir. O quanto pôde resistiu: comprou tempo e óculos escuros e nunca deixou de voltar. Duraram seis semanas. Morreu em segundos. Naquele dia, Santa limpou as mãos, a carteira e a alma.

Aquela seria a primeira vez, mas por não ter medo de ninguém, ou por ter medo de todos, desejou que não fosse a última. Desde então, passava horas a fio na janela, sempre à procura de um novo Projeto de Vida. Quando virou vinte, encontrou sem procurar, na padaria da esquina. Ele morava a dois quarteirões e se chamou José, coisa que a garota nunca questionou. Preferia assim. Beberam todas as tardes e fuderam todas as noites até o dia em que ele se retirou de sua vida, levando o colar de dona Luzia Maria Clara e trinta reais em cima da mesinha do quarto.

Botafogo acordou com um velho escroto que morreu no bar e Santa, com um sorriso no rosto. Morte era morte. Matada ou morrida. Não há nada a se lamentar quando se está diante dela. Não se tratava de justiça, disso passava longe. Por pouco. Todos os santos nasceram pecadores. Também os anões começaram pequenos. Da vida, nunca quis muito e recebia menos ainda. Conhecia-a bem demais para se importar com ela. Conhecia-se bem demais para se importar com qualquer coisa.

Os policiais vieram numa tarde de abril.

Thursday, June 29, 2006

Seu nome era João e João só se fudia

Não que ele procurasse pelos problemas. Os problemas é que procuravam por ele. O rapaz, no entanto, não esquentava a cabeça. Nunca achou que o universo fosse o lugar mais apropriado para se nascer, mas não era como se não gostasse de estar ali. Porque João era um crédulo, e dos mais fervorosos. Sempre acreditou que havia algo de especial na Terra, pelo qual valia a pena viver por. Sexo e mulher. Sexo com mulher. Nos dias de sorte. Por mais simplória que fosse, a arte da existência definitivamente era a obra que mais o agradava.

Foi uma matrona, a primeira puta que João comeu. Tinha sete vidas, cinco dentes e pelo menos algumas doenças venéreas. Uma matrona e também sua primeira mulher. Ele tinha dezesseis anos quando começou a se fuder justamente por fuder com os outros. Pouco tempo depois, ainda garoto, se resolveu por sempre olhar por onde andava. Não comia nada sem conferir o prazo de validade. Cada compota. Cada filé. Cada cu. Sua dívida com o decoro era eterna.

Os amigos logo recriminaram o xiitismo aplicado no dia-a-dia, mas João não salgou o cu doce. Se decidiu por ir ter com a vida sozinho. Sozinho e incorruptível. Viver era uma profissão de risco. Virou um guardião da boa causa e dos bons costumes. Se todo mundo tinha duas personalidades, por que usar a mais feia? Aos poucos, foi parando de dar o ar de sua desgraça nas cercanias. Passou a criar galinhas, e cabritos, e vergonha na cara. Recusava todos os convites para as festas da cidade. Em breve, sequer os receberia. Era um cara novo. Novo e durão. O mais durão.

Mas João não era feliz assim. Se vegetariano, seu subconsciente mataria por um rosbife. Nenhuma punheta era capaz de satisfazer mais de uma cabeça ao mesmo tempo. Além disso, viver passou a ter tanta graça quanto uma trupe de 17 gordas fazendo hidroginástica: só divertia os espectadores. Todos da pequena cidade onde morava o tinham como um louco, um demente e um alucinado. Dia após dia besuntado pelo preconceito daqueles porcos simplórios por todo canto em que passava. O que só fazia João se afastar mais e mais à procura de algo que nunca soube exatamente o que era. Procurou independência, mas achou solidão, e também verrugas no saco. O Pau Mais Solitário do Mundo.

Saturday, May 20, 2006

Bon appétit

Como acabaria aquela noite? Ela era que nem martini, seca, e, pior, custava mais caro. Decidiu encarar a patroa mesmo assim. Todo o desespero daquela noite denunciava um movimento perfeitamente coerente com sua vida sexual dos últimos meses: rigorosamente nenhuma. Afinal de contas, os eunucos tinham uma posição social interessante na Índia, mas uma posição social não é necessariamente uma posição sexual. Sexo. Talvez não lembrasse mais como era. Uma vez tentara andar de bicicleta depois de quinze anos sem arranhar o asfalto e se estrepara todo logo na primeira esquina. Ditados mentem. Dor no cu, não. Enfim, melhor deixar rolar. Não é como se não praticasse bastante em casa. No trabalho. Nunca tomou café na hora do break. Via a si mesmo como um cara que praticava medicina terapêutica quando fosse preciso. Além do mais, seu desespero tinha nome: ABSTINÊNCIA. Não podia deixar a garota perceber, caralho. A garota. Cabelos e olhos morenos, boquinha safada, dos lábios grossos. Os de baixo ainda a conferir. ASAP. ABSTINÊNCIA. Se chamava Maira e não era exatamente bonita, mas também não era como se estivesse em posição de negociar. Como se pudesse estalar os dedos e arranjar um ringue de lama para o casting de Baywatch tentar a sorte pelo seu número de telefone. Há muito tempo desistira de encontrar a Foda Ideal. Fazia sentido. Nove meses áridos na cama de um homem, não. Simples. Só precisava de uma boa noite de sexo e um restaurante fora da vizinhança. À sua frente, seu encontro continuava a encará-lo com lasers castanhos ao mesmo tempo que ajeitava as alças do sutiã e cambaleava para o toalete feminino a cada nova taça de vinho, Chardonnay 1968, melhor da casa (pediu o prato mais caro). Ela era irritante, mas ele não ligava. Fazia sentido. Ela se chamava Maira e falava sobre coisas da vida (sic) enquanto ele se graduava na arte de mentalizar a gostosinha do escritório no carrinho de sobremesas da mesa ao lado. Rollin’ like a river, baby. Sim, sim, toda aquela porra fazia sentido, muito sentido de fato! E daí que ela não era a mulher dos seus sonhos, ou melhor, a mulher dos sonhos de ninguém? Ajudava admitir que já havia comido piores no passado. Tudo bem que a sobriedade nunca esteve ao seu lado em horas como aquelas, mas nisso estava trabalhando desde o começo da noite. Nele e nela. Cinco taças de vinho e trabalho braçal no banco da praça era o mínimo que esperava. Ela custava caro. Ele pagava o que fosse. Naquela noite, até uma mulher como Maira parecia o banquete dos deuses. E era mesmo. Hoje o prato principal viria depois da conta, crianças.

Sunday, April 23, 2006

Was Romeo really a jerk...

... and Juliet actually a bitch?

Só sei que Scott Walker disse tudo.

Saturday, April 01, 2006

"Jean-Luke... I'm your father!"

ou “Trufô no cu de Godár é Lola” (Países Baixos, 2006). Direção de Danny DeVito. Estrelando Matheus Natchergaele, Verne Troyer, Giulietta Masina, ET, Toulouse-Lautrec, María Antonieta de Las Nieves, Grande Otelo, Carolina Pavanelli e Pequeno Elenco. Nos anos 60, estudantes de cinema verticalmente prejudicados da Ôropa constróem uma máquina do tempo a partir de um ambicioso experimento envolvendo conceitos de tempo, espaço e macarena ídiche. Decididos a desafiar a prisão temporal em busca do filme perfeito, começam uma jornada sensacional pela história do cinema mas, por motivos de força menor, calham de cair no apartamento do herdeiro biba de Jean-Luke Godár, que a essa altura passava as tardes em seu apartamento tricotando papel higiênico e assustando vizinhos e fãs ocasionais com uma interpretação mocoronga de Ferris Bueller, contra-plongé, bengala de fora. Acomodado na sala de Lola Godár, filhota queima-rosca do então ícone mor da cinémathèque française, o grupo vai pouco a pouco reconfigurando seu olhar sobre o fazer cinematográfico a partir da apresentação de correntes surgidas nas décadas posteriores aos banbanbans da nouvelle-vague. Com Lola, os estudantes aprenderão que é possível descer do salto e ainda assim estar à altura do tamanho do documento de gigantes do cinèma. Passando por obras-primas do Cinema de Retaguarda, como a pérola O Demônio dá onze horas, até a reeleitura cartesiana proposta pelo manifesto revolucionário O discurso do méto tudo mermo, e daí?, dedicado a discutir se a extensão da res cogitans de um cineasta faz ou não diferença afinal de contas, os viajantes do tempo terão sua visão de mundo e outros pontos do seu ser alargados após a experiência de inestimável valor fálico. Um clássico para baixinhos de todas as idades.

Friday, March 24, 2006

The one where Cinderela gets high

Jantou meio pacote de Camel, vestiu a melhor calcinha (preta) e saiu pelas portas do castelo para nunca mais voltar. Era Leary na veia, ha-ha, ela tava numa boa, numa marola que só na onda do ácido, uma parada maneira que a Bela Entorpecida havia repassado na noite anterior. Esse era dos fortes, uia, os efeitos apareciam sem convite e não demorou muito para que todos os convidados do baile virassem a bunda da rainha Eliza Béti, a Feia discursando sobre o tipo de bagulho que afinal deixara o Príncipe tão Encantado, merda merda merda de droga barata...

E puta meu, só com meiota e já estava über high naquela noite. Agora tanto fazia. Mais meia hora e começaria a ouvir tudo quanto é tipo de merda em óffi (na certa um sósia vocal do Armandinho, aquele babaca) com ratos falantes que a aconselhariam a partir por aí antes que sua alma se resolvesse por sair do corpo para dar um telefonema. Enfim, um ponto eles tinham, podia ser uma boa e smack smack, distribuiu dois beijinhos nas amigas e cambaleou um pouco pelas ruas do reinado até o primeiro beco, onde topou com a hippie doidona da Rapunzelda. Resolveu parar pra levar um papinho.

As duas se olharam, trinta segundos de silêncio, o que não é nada para um viciado (“o tempo não existe, no duro!”). Rapunzelda fez uma pausa significativa, passou a mão pelas longas madeixas e acendeu um baseadinho da paz. Respirou fundo e, com a mão pousada no ombro da garota, confessou-lhe uma cousa que só ela e o Grilo Fumante sabiam: Cinderela era uma personagem de ficção.

A jovem partiu desabalada com a notícia e, como se não bastasse, sentindo os efeitos do ácido martelando em cada pedacinho do seu corpo, como se todas as suas células tivessem topado um campeonato de ula-ula tirolês e estivessem agora a caminho da finalíssima, Honolulu, 2006. Sentiu vontade de morrer. Sentiu vontade de matar. Engarrafada na via das dúvidas, decidiu-se por voltar e dar um tapa no bagulho de Rapunzelda; aquela história precisava ser esclarecida, enfim. Agora. Seu mundo estava destruído, sua verdade, nua (ou essa era ela?) e pensando bem, seria a realidade tão terrível? Não, não se você estivesse apropriadamente vestida para ela. Coisa que não estava.

(...) foda-se, foda-me, sentiu de vontade de perder a linha, o novelo, de perder um tapete voador inteiro para esquecer aquela merda. Um, dois tragos mais tarde e deu adieu adieu para a hippie chapada. Decidiu partir pra sempre: hasta la vista, baby, era isso. Precisava encontrar o Sentido da Vida, contado com bonequinhos de Playmobil, trilha sonora by Wander Wildner e o caralho. Entrou no bar no melhor estilo faroeste e mirou sua primeira vítima à moda Robocop, tu tu tu, macho, tu tu tu, 28, tu tu tu, no balcão, o coitado: cabelos desgrenhados, olhar de louco e um enorme cartaz que dizia CHIFRADO, basicamente. Mas negou colo e fumo, o puto. Não gostava da fruta.

- Viado do tipo não-mulher? Mesmo?
- Ha, ha. É, er, desconfio que sim.
- Nem aos domingos?

Sentiu vontade de mandar enfiar a porra do cartaz num lugar onde o sol não bate mas refreou, papo manso. Conversaram a noite toda, se deram bem. Decidiram fazer um fedelho (dividiriam meio-a-meio) na noite seguinte e o primeiro choro seria o código para o ataque das Panteras. Hoje ele se chama Armandinho, aquele babaca. A cara do pai.

Wednesday, March 15, 2006

Uma nação contra Hitler

Leitura dinâmica, fazendo favor. O texto é longo e a paciência é curta. Mais do mesmo aqui.

2006 foi um ano politicamente correto para a Academia. Uma mulher contra Hitler, o strudel alemão que disputou o Oscar de melhor filme estrangeiro contra o vencedor Tsotsi e o supramencionado Paradise now, foi só um dos vários nomes da noite que vestiram a camisa política nos corredores do Teatro Kodak. De Clooney a Clooney, com o regular Syriana e o ótimo Boa noite e boa sorte, ao (pálido) debate racial em Crash e à bandeira levantada do orgulho gay em Capote e Brokeback Mountain, o clima em geral era favorável à débâcle do festival de ortodoxia usualmente oferecido pelo então conservador júri da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

Pois quanto à amazing disgrace que tematizou a politizada cerimônia desse ano, o longa-metragem de Marc Rothemund se encaixa impecavelmente no perfil. A partir dos cinco últimos dias da vida de Sophie Scholl (Julie Jentsch), uma jovem alemã que foi presa, condenada e julgada à morte junto ao irmão e um amigo durante o breve período por sua participação em um movimento de resistência ao Terceiro Reich, o diretor traz de volta às telas toda a amargura de um país que até hoje luta para fazer as pazes com, ou melhor, pelo seu passado.

Frente de oposição formada por estudantes em plena II Guerra Mundial, o Weisse Rose – ou Rosa Branca – sucumbiu às garras da águia nazista com o episódio o qual o filme se propõe a (re)contar, em que os irmãos Scholl são apreendidos na Universidade de Munique após espalharem por suas instalações cartas que questionavam “a brilhante estratégia de nosso führer” em persistir numa guerra cujo final da estória, predito por capítulos sangrentos como Stalingrado, era a derrota iminente. Jogados 1943 – ano em que a sorte do conflito começou a contornar em prol dos Aliados -, e à luz da história já revista, a avaliação dos jovens parece óbvia. O problema é que era mesmo. O que ainda assim, como bem se sabe, não impediu, às custas de milhões de vidas – de ambos os lados -, que o Terceiro Reich só pontuasse o final dessa guerra dois anos mais tarde, com uma bala para Hitler e uma segunda derrota em menos de trinta anos para a Alemanha.

A questão de Rothemund, no entanto, parece estar mais no presente do que no passado. Com a nuvem do trauma nacional-socialista dissipando-se pouco a pouco com o passar dos anos, volta e meia uma nova leva de produções na cinematografia mundial chega, com direito a choque elétrico e o caralho, para enfim apertar a mão que balançou o berço nazista da Europa de meados do século XX. Uma mulher contra Hitler, nesse sentido, é mais uma peça de expiação da culpa por parte da juventude contemporânea alemã.

Com passaporte em mãos, o desejo é uno: sair por fim e de uma vez por todas do purgatório o qual a velha guarda alemã, o vovô Fritz, toda uma nação hipnotizada pela oratória fascista de Hitler reservou às futuras gerações para uma estada forçada. Com um peso do tamanho do holocausto para escusar de seus ombros, a tarefa não é fácil. É colossal. Filmes como A queda e mesmo Os produtores, refilmagem em Broadway style de Primavera para Hitler (uma parceria clássica de Mel Brooks e Zero Mostel) parecem, contudo, dispostos a comprar essa briga. Cenas como o führer chorando como menininha ou como destaque em avenida na gay parade nacional-socialista são evidências notáveis nessa direção. Os tempos, definitivamente, estão mudando.

Enfim, nada carregado com o ar denso, prolongaaaaado que se esperaria respirar numa atmosfera tão pesada quanto a que envolve uma nação ainda despreparada a sentar-se no divã e alijar os traumas deixados pelos seus antepassados – o mesmo sangue! correndo pelas suas veias! - ao invés de ir ao confessionário penitenciar-se por um pecado que não cometou. Pois esse parece ser o pique da nova geração alemã. Seja ao retratar um Hitler humanizado n’A queda, seja ao insistir em bater na mesma tecla para escrever uma estória onde nem todas as personagens resumiram a personificação do Mal maiúsculo e que algumas, imagine!, ousaram inclusive se opôr ao regime hitlerista, a idéia em pauta não é perdoar, mas olhar para trás pela perspectiva dos vencidos, no lugar apenas daquela dos vencedores.

Assim, a ordem do dia, cada vez mais, é pôr em quarentena a mais contagiosa necessidade de autoflagelo para provar que só chora pelo leite derramado quem gosta de coalhada. É claro que os nazistas eram malvadões. Ninguém está aqui para contrariar isso, muito menos Marc Rothemund: em contrapartida ao Hitler de Bruno Ganz, que conseguia encaixar em sua agenda alguns espasmos de humanidade entre pular fogueira com Nero e o chá das cinco com o Capeta, o nazista de Uma mulher contra Hitler veste uma carapuça feita à medida exata para acentuar a vilania esperada do mau elemento que é. Mostra os dentes, dá chilique, bate os pés. Um verdadeiro show de intransigência, enfim.

O que não deixa de ser, nesse aspecto, o ponto fraco do filme. Sophie Scholl representa uma espécie de Joana D’Arc sabor chucrute, chegando a recrutar nada menos que a justiça divina para alterar o pino de rotação do Eixo do Mal. “Podem nos julgar agora, mas amanhã serão vocês a estarem no nosso lugar,” como profetiza a candidata à Miss Mártir 1943. Uma pena. Sem esse quinhão de maniqueísmo, a história só teria a ganhar.

Mas como carro-chefe da película, o mérito, ou pelo menos o mote do filme é mostrar que não, senhor, nem toda a Alemanha cruzou os braços e foi jogar bridge enquanto Hitler brincava de dominar o mundo. Hannah Arendt já disse que, muito provavelmente, estando no mesmo lugar e hora errados, qualquer ser humano consentiria com a via-crúcis nazista com a mesma naturalidade que um Hans e uma Frau o fizeram durante o Terceiro Reich. Ou seja, pensar em um gene germânico vestindo a camisa do Mal, estipulando a vocação de um povo à vilania, é simplesmente ridículo. Da mesma forma, e é aqui onde o trabalho de Marc Rothemund esbarra com sua raison d’être, trazer à tona a história do Rosa Branca é uma forma de oferecer evidências ao tribunal histórico que mesmo o “abjeto povo alemão” postou, na medida do possível e do impossível, resistência aos planos megalomaníacos de seu führer.

Se o filme começa arejando ares de thriller político, com cenas tensas onde Sophie e o irmão colocam a operação em ação numa verdadeira batalha contra o tempo, essa adrenalina inicial – de sutil parentesco hollywoodiano - logo se esvai para dar espaço a uma sempre bem vinda trama psicológica, quando Sophie é interrogada por Robert Mohr (Gerald Alexander Held), integrante da polícia de Adolf Hitler.

Mas sem duplos twists carpados mirabolantes no roteiro, que fique claro. E nem precisa. O diálogo travado entre a jovem idealista e o oficial nazista é, na verdade, e acima de tudo, um embate ideológico. E uma guerra antes de tudo travada em palavras, artilharia tão ou mais mortífera que as bombas que devastaram a Europa daqueles dias. Amparada por sólida atuação da dupla de atores, estas são indubitavelmente as melhores cenas do filme, capazes de levar qualquer espectador a desejar entrar ele mesmo na tela e sacudir Mohr pelo colarinho até que sua máscara de inflexibilidade caia película abaixo (embora a oscilação do interrogador quanto à validade do ideário nazista seja evidenciada em mais de uma parte do filme – o que não o impede, entretanto, de assegurar que o próximo passo do trio de militantes seja em direção ao corredor da morte).

Sophie Scholl, durante todo o interrogatório, é uma amazona. Mente e manipula com facilidade notável em defesa de sua causa e também para defender a identidade dos outros componentes do movimento de resistência pacífica. (O único momento em que se permite fraquejar é quando está sozinha em frente ao espelho, após tornar-se nítido que todas suas tentativas de driblar a inteligência nazista se revelaram vãs – uma das cenas mais reveladoras do filme.) No resto do tempo, sua dissimulação esculpi um caráter que, mais que uma montanha, é uma verdadeira cordilheira de gelo. Fria, inabalável, obstinada. Tudo em prol daquele tipo de paixão que só um idealista old school nutre por uma causa.

A força da personagem, todavia, deve a maior parte do crédito à atuação de sua atriz. E nesse sentido, com pouco ou nenhum tropeço, a conclusão é invariavelmente a mesma para o lado de cá da platéia: Julia Jentsch, mais conhecida pela sua participação no oba-oba juvenil de Hans Weingartner, Edukators (uma espécie de bíblia cinematográfica para a Che generation dos tempos coevos), amadureceu. Com louvor. Sua interpretação para Sophie Scholl é tão sólida quanto as convicções da personagem, tornando a fé do espectador no idealismo da jovem quase que uma obrigação.

Uma mulher contra Hitler tem suas falhas, e não são poucas. A câmera é um tanto burocrática. Os sentimentos do espectador, por ora manipulados. Não duvide ainda que alguns irão questionar se a escolha de enfocar a história de Sophie somente, ao invés dos três militantes executados naquela noite de fevereiro de 1943, pode carregar algo de apelo feminista franqueado, visto como os atos de bravura realizados por Sophie não são mais instigantes do que, por exemplo, aqueles de seu irmão. Mas não faz mal. Pesando os prós e os contras do filme, a balança é simpática à causa de Rothemund.

E se o sacrifício de Sophie Scholl foi em vão? Não a esquecer, mas deixá-la para trás junto com todo o panorama que levou à morte da militante é justamente o divórcio entre passado e presente pleiteado por uma nação que legou a mais maldita de todas as heranças. A incompatibilidade de gênios entre a atual Alemanha e aquela de Adolf Hitler é, afinal, a idéia entalada na garganta de toda uma geração.

Friday, February 24, 2006

É impressão minha

ou a Chapada dos Viadeiros leva mesmo o Carecão de Ouro pra cama esse ano? O tema até rendia, mas o filme é ruim paca. Sou mais a Tiffany ou o Dr. Ross.

Ai, ai, ai, fofo. Monta o meu que eu monto o seu, vai.

Sunday, February 19, 2006

Dois filhos de Friedricho

E dessa vez, meu amigo, amigo meu, Caretano Seboso se hospedou na casa do caralho: com o devido despeito, mas ninguém mais quer saber de filosofar em alemão. Pois uma temporada fundindo a cuca com os livros de Nitchi, o bigode mais proeminente da filosofia germênica, foi suficiente para que Hansel e Gretel, meus dois neurônios alemães, pedissem arrego e se resolvessem por ir tirar umas férias em terras blogueirais - onde sairiam à procura de formas mais simples e diretas de passar o recado deste que é um verdadeiro titã da cultura bigoduda ocidental. Aterrissados em solo tangerínico, encontraram enfim a perfeita kitschinette virtual para acomodar toda uma bookaria especializada em Philosophy for Dummies: onde os fascículos são introduzidos (mas com gentileza, rapazes, com gentileza) por um prelúdio de Cid Chateira e acompanhados por uma bela tangerinada na testa do leitor, cortesia da casa.
Quer mais? Quem comprar a coleção inteira de uma só vez ainda ganha o direito de receber em casa um devedê exclusivo da turnê de estréia de Ranço & Gretchen, a dupla sertaneja que mantêm a peteca nietzschiniana no ar com sucessos instantâneos como “Assim falou Zaccarias”, “The knights who say Ni... tchhhiii” (um espetacular show de sonoplastia garantido pela abertura em pleno palco e na hora agá de uma latinha de Leibeerniz, a única cerveja que te leva verdadeiramente ao melhor dos mundos possíveis) e, last but not least, um cover arrebatador de “Eterno Retorno”, onde o Supremo himself dá uma palhinha e enraba um garboso eu volteeeeei, voltei para ficar na estrofe final.
Porcaquiiiiii, caqui é o seu lugar também ora pois então, you! hypocrite lecteur! – mon senblable, - mon frère! Chegue-pra-lá com a cafonice da intelequituaulidade sem contudo lançar-se à deriva no mar da ignorância. Com o devido despeito, o devido despeito.

Friday, February 17, 2006

Nove canções

:: Almost Crimes – Broken Social Scene
:: Black Saint and the Sinner Lady, The – Charles Mingus
:: Candyland – Cocorosie
:: Jackie – Scott Walker
:: Limehouse Blues – Django Reinhardt
:: Sing Sing Sing – Benny Goodman
:: Suicide is Painless – Manic Street Preachers
:: Take Your Carriage and Shove It – Belle & Sebastian
:: Unza Unza Time – Emir Kusturica and the No Smoking Band

Tuesday, February 14, 2006

Dá-lhe uma, dá-lhe duas, dá-lhe vinte

"O que eu toco? Ah, eu toco muitas coisas..."

Deu n’O Grobo, dia desses. Freqüentadores assíduos da Limbolândia musical, os rapazes do Rebelde Sem Calça conseguiram entrar pela porta da frente do mundo pop depois de anos adentrando algumas portas de trás de caras e coroas do ramo. Após uma pitada de sal boliviano na sua carreira, a banda, liderada por Géraldji Thomas no Cu - também conhecido como o verdadeiro Bundinha do meio musical -, passou a incendiar os palcos mundiais com a performance bunda-leleística do hit Samba-canção Não Esconde o Refrão e já anuncia o lançamento de seu mais novo single, Tum-tchi-tum-tchi-tum-trrrr-pá, desde já caído no gosto de soletradores de todo Brasil. Para comemorar o recente suséquiço mais as duas décadas do Rebelde Sem Calça enfiando (opa, opa) o pé na jaca e na estrada, Géraldji, em entrevista para o jornal carioca, noticiou em primeira mão o lançamento das faixas O Pródigo Dá pra Vinti e A Pica dos Vinte Ânus para a segunda quinzena de fevereiro - “quando os bofes todos caem de quatro com a gripe aviária e soltam a franga no Carnaval”, explica o aspirante a rockstar. Segundo a revista Rolling With a Stone, “uma banda para ficar nos anais da história da música”. Um verdadeiro desbunde.

Sunday, February 12, 2006

Junebug me

Um filme que ninguém viu, pois então. Fiz à toa. Don't bother.

Difícil encontrar voz discordante: Junebug é indie da cabeça - coberta com os penteados minuciosamente desgrenhados – aos pés - calçados no velho all-star surrado. Em Sundance mode: on durante os 107 minutos de película e com trilha sonora assinada por um memorável trabalho da veterana Yo La Tengo (banda íntima do círculo alternativo), a première em longa-metragem do diretor Phil Morrison tem como mérito, ainda, possuir um algo-a-mais que o cheap look já carimbado do cinema independente made in USA. Uma vantagem que, no páreo final, revela-se responsável por fazer o filme disparar à dianteira como um dos mais autênticos e (portanto) melhores retratos da América como ela é dos últimos anos.
Em sintonia afinada com o roteirista Angus McLachlan e à procura dos Estados Unidos da Outra América, Morrison carrega a história para os confins mais provincianos da Carolina do Norte quando Madeleine (uma afiada Embeth Davidtz), habituée do cosmopolitan way of life da cidade grande, passa pelo teste de fogo de conhecer a família do marido, George (Alessandro Nivola), um golden boy do Sul relativamente despido da mentalidade interiorana. Uma experiência que melhor cairia como sabatina, e que não a deixará imune às queimaduras geradas pelas faíscas mais do que esperadas com a colisão de dois mundos completamente distintos.
A história abre. Logo, acompanhamos a jovem marchande, lado a lado a George - com quem casou semanas? dias? instantes? após conhecê-lo num ímpeto de paixão - percorrer a trilha caipira do país em busca de David Wark (Frank Hoyt Taylor), um artista plástico que ventila ares marginais com suas pinturas de pênis gigantes e escravos de rosto branco. (“É que eu nunca vi um negro na minha vida. Então, eu ponho neles o rosto das pessoas que mais gosto.”) Se há ironia na explicação de sua obra? Difícil dizer. Wark, à moda vanguardista, não parece dotado ou com a vontade ou com a capacidade – quiçá ambos – de se fazer claro para o mundo exterior.
Uma vez próximo à região em que cresceu, George deixa seu pensamento escapar em voz alta na forma de uma proposta: e por que não levar a esposa para apresentar ao que, anos mais tarde à sua partida, aprendera a ver como lar, amargo lar? Se Madeleine se mostra pronta a conquistar o coração da família, descobre logo, no entanto, que simpatia não é quase amor no final da contas. Recebida pela casa com uma hostilidade barely covered por uma roupagem de polidez, não demora para perceber que deverá duplicar as doses de tempo e esforço – e triplicar a de paciência – caso ainda queira lutar por um lugar cativo no coração dos pais e irmão do esposo.
Na verdade, a única pessoa a acolher Madeleine com braços abertos e sem dar segundos pensamentos é Ashley (Amy Adams), uma típica garota do interior cuja personalidade é feita a tal ponto de açúcar que o espectador – junto à jovem marchande - vê-se mais de uma vez às voltas com um par ou ímpar mental entre nutrir irritância deliberada ou simpatia irrefreável frente à doçura aspartame – e ao desespero, o que pode por vezes soar redundante - da mulher grávida de Johnny (Benjamim McKenzie), o irmão caçula. E a atuação de Amy mereceria por si só uma resenha à parte: já os primeiros minutos em tela bastam: o filme é ela.
Colecionadora de várias indicações (sendo a mais recente delas a de melhor atriz coadjuvante no Oscar, o eterno pote – ou melhor, careca – de ouro do cinema americano) e prêmios pelo papel, a jovem atriz transmite à perfeição os tiques de ingenuidade e inquietude de uma típica – e desmistificada - girl next door às portas de um mundo adulto para o qual ninguém a preparou. Madeleine, no fundo, representa a Ashley o farol de sofisticação que poderá guiá-la na reconquista de um pouco afável Johnny, comprado por uma espécie de sapo-por-príncipe, gato-por-lebre pela esposa naive.

Mas, antes de vilanizar uns personagens em prol das redenção de outros, Morrison conduz uma narrativa que não dá brecha no sentido de insistir em lembrar ao espectador que, somados erros e acertos, histórias e estórias, culpas e palavras, todos os personagens são exatamente a única cousa que lhes cabe ser: humanos. Demasiadamente humanos. Assim, ainda que a função protagonista de Embeth e a atuação hors concours de Amy garantam os holofotes a Madeleine e Ashley, nenhuma sombra passa ao largo da dupla Morrison e McLachlan: a tensão (não tão) latente entre irmãos, os encontros e desencontros de George com suas raízes sulistas, a dificuldade de comunicar-se com aqueles que ama por parte do patriarca Eugene (Scott Wilson) e o misto de medo e sentimento de inferioridade que pincelam a recepção pouco calorosa de Peg (Celia Weston) à chegada da esposa cosmopolita - uma menina tão bonita... tão inteligente! the enemy! a outra! –, a nova inquilina do coração de seu filho.
O espaço para dúvidas é curto: ainda que como fagulha, Madeleine está longe de ser a pólvora que alimenta a explosiva atmosfera de conflitos entre pais e filhos, irmãos e irmãos, amantes e amantes. No entanto, tanto a chegada desta nova personagem em cena quanto o advento de uma tragédia inesperada serão pontos cruciais para que o leite derramado, azedado, mereça algumas das lágrimas sufocadas ao longo dos anos.
E nesse sentido, Junebug é um drama familiar porém podado de melodrama, que tem como preocupação capital pontuar os caracteres de um Estados Unidos tido como por demais opaco para fazer jus ao brilho hollywoodiano. Pois seu maior valor reside precisamente aí. Ao derrapar nos emblemas do provincianismo americano sem contudo tombar naquele quinhão de esteriótipos já recorrentes ao gênero, Phil Morrison surpreende com um sensível flagrante de pedaços da vida e do sonho de alguns dos sobrinhos menos glamourosos do Tio Sam. Um filme de família, mas no melhor dos sentidos.
Tudo, ainda, sem abrir mão de um humor de PH - 10 (mas sem o ar forçado que muitas vezes impregna o estilo) e uma câmera compassiva, com alguns espasmos de nouvelle vague (sem pôr, no entanto, a originalidade em arritmia). Junebug é prova de que nem sempre é preciso ter uma Asia Argento tentando a qualquer custo fazer filmes bons que desviem do lugar-comum com estilhaços e estilhaços de recursos fílmicos a cada novo quadro dispostos a provar a autenticidade do seu trabalho. Um relato simples sobre a outra história americana contado com um tino que fala volumes pode bastar para compor uma das surpresas mais agradáveis do ano passado – uma pequena obra prima, ainda que de segundo grau.

Acidez e cinismo suficientes para justificar o label indie presentes em uma narrativa que revela mais vocação para acertos do que para erros; nada com sérios riscos de fazer bonito nas bilheterias, enfim. Pois ao flanar pela última edição do Festival do Rio sem atrair maiores atenções, longe de provocar comoção popular, o abre-alas de Phil Morrison na direção cumpre à risca o que parece ser o apelo máximo de seu seleto público – o de ser uma pérola cinematográfica que a cultura underground talvez prefira esconder dentro de sua ostra, às escondidas do mais vulgar neanderthal hollywoodiano (sempre a posto para descascar o esmalte indie que cinge a obra com sua perversa acetona comercial). Bobagem. Junebug é nocaute na certa com luva de pelica e merece um público maior do que meia sala lotada em sessão quase única de festival cinematográfico.

Sunday, February 05, 2006

Sobre meiasplvs e outras mentiras honestas

This is my lie, lay me yours

Um lindo dia para pensar em coisas menos belas e mais sujas? A fim de pegar jacaré no mar de lama da sem-blogracice nossa de todo dia? À procura de um manancial wit para regar suas madrugadas de domingo? Senhoras e senhores do meu respeitáaaaavel público, mais um, mais um, mais um sim, sinhô! Mais um post sobre o mais do mesmo como nunca se viu antes! Pois foi seguindo os preceitos de Lavoisier, a velha raposa safada que dizia que nada se cria quando tudo pode se transformar – verité absolute adotada por todo rodízio de pizza – que decidi apertar o repeat para recoroar com uma salva de bifas aquela carpintaria dos caras-de-pau also known as “causa blogueira”.

Soon-to-be (de)formada em jornalismo, não é de espantar que seja – ou esteja a caminho de ser, ainda que com um péssimo senso de direção (o narcoléptico que adormece while sleeping, o jogador que comemora o gol contra) - catedrática na arte de escrever absolutamente nada sobre relativamente tudo. Mas sou passilarga. Vou além sendo aquém. E o que é um blog, o meu, o seu, o nosso blog senão um disse-que-disse ad eternum da completa falta do que dizer? Não compreendo lhufas daquilo que estou blábeando metade do tempo. Nos outros 45 minutos do jogo, tenho uma remota idéia – acho que é sobre queijo.

Inicialmente, vim aqui para escrever sobre um Tim Burton em particular. (Re)vi, gostei, nem tanto, e daí? Sou que nem Clarice em um ponto – terminar um pensamento é gritar Fla em prado de Flu, ou seja, um evento extraordinário no sentido mais lingüisticamente correto, pé-da-letra da palavra. E entonces que me percebo com o pé fincado de onde nunca saí – do começo. Por/para que/m escrevo? Quedê a platéia (I) – com seus tomates adestrados (II) à espera da primeira gafe autoral para serem lançados nesta blogueira de vos fala? Será que sequer a (I) mereço – ou os (II) mereço em primeiro lugar? Por que cobiçar uma ola grega quando se está jogando pelo time dos troianos? Ou ganhar uma standing ovation – por algo a mais que um decote e por um público maior que uma braguilha?

Enfim, por que-que essa endless blogueblásice deveria ser lida? Go figure. Não sei se divirto ninguém a não ser meu eu oblíquo – e ele está chapado a maior parte do tempo. No entanto, sou por ora uma espécie de baronesa de Münchhausen, sempre se puxando pelos cabelos com uma mão e escrevendo – teclando, sou muderna – as tais meiasplvs e mentiras honestas com a outra. Applause. E volte sempre.

Tuesday, January 24, 2006

Say goodnight to the lady

Eu perguntei, Short or long story? e aí que ele me fitou com um par de lasers azuis e falou uma coisa, eu não entendi, Repete, ele repetiu, Enfia no cu, o que é estranho, porque todo mundo sabe que ter uma longa estória no lugar mais recôndito da anatomia humana é tão agradável quanto um pierrô cantando Tom Jones num número de sapateado tcheco, então procrastinei a parvoíce e concluí pra eu mim mesma, Short it is, então disse que estava o deixando e ele quis saber o porquê e Pois é, eu retruquei que não dava um duvideodó para o quanto meu blog é capital, é inicial, é transcendental para todos os meus três leitores, mas que essa vida não era mais pra mim, que jogasse o primeiro teclado, levantasse o mouse, piscasse um emoticon quem nunca havia parado para pensar em querer mais, em escrever uma reportagem que faria Zaratrusta emudecer, uma monografia que faria Fredo ulular, um romance que faria Derrida dar pulinhos de júbilo e satisfação, e continuei continuei continuei a ir à baila, falei que minha vontade encheria um Madison Square Garden, que ela não cabia mais no espelho de cá, que havia espichado horrores depois da puberdade, mas acho que ele achou que eu estava meio chapada porque logo em seguida me deu um tapa na bunda e torceu o canto da boca, Vem pra cama, mulher, eu fui.

Sunday, January 01, 2006

Miss Sinclair (audasciously) presents

Madame Zelda: leva seu amor achado em três dias

Salve, salve, cambada. Como todo mundo sabe (ou ao menos deveria, se não vamos ter que começar tudo de novo), quanto mais se olha, menos se vê. Logo, para que ceder ao esforço de depilar? Portanto, em 2006, meus votos são pra que todo mundo cultive menos aparência e mais essência em sua vida: todos os mizifios deveriam dar um vade retro, um cruz que me credo, um chega-pra-lá-que-te-pego-pra-capar naquilo tudo que empaca seu dia, empata sua foda, atrasa sua vida, adia a hora agá e fecha as cortinas para o verdadeiro espetáculo que é o lessing the talk ‘n’ moring the action nessa vida que é bonita, é bonita e é bonita...

É bunda-lelê em Buckingham? Backpacking no cu do mundo (ou do bofe do 304)? Quinze minutos de infâmia entoando um “ei, Godár, vai tomar no cu!” no próximo Cinturão de Cinefilia abotoado pelos filisteus-de-uma-puta da stravaganza intelequituau contra-campista? Isso! Issa! Não temeis o dedo do Senhor a cutucar sua ferida, ó infiel (mas não se esqueça de assegurar a vaselina e amolecer a manteiga nos conformes do supositório filosófico de São Tomei, o apóstolo que só acreditava no que via a sua frente e principalmente as suas costas): now that we hung the oldman, que o velhinho foi bater as chuteiras, pendurar as botas, desamarrar os cadarços, que o calendário renovou e a esperança se enfiou no buraco negro novinho em trolha do medo, não se contente com pouco: pra que pedir um gole se você pode ter uma garrafa, uma adega, um vinheiro inteiro na Califuckórnia só pra chamar de seu?

Por isso, no ano novo que nos espera, take your youth and shove up the ass dessa gente que quer vestidos bonitos, champanha francesa, metáforas a granel. Nesse dois-mil-e-seis, não tenha medo de ser ha-ha sem graça, sem sal, sem paciência pra tudo aquilo que te dite a cartilha, que repita o modelito, que faça bonito sem fazer feio também. Chères e chéries, sejamos realistas: refaçamos o impossível. Go, baby, go, go. Porque lá no fundo real life é que nem o perfil da Barbra, não dá pra embonecar com maquiagem: melhor assumir a nareba e digerir o luxo e o lixo numa galgada só, sem purpurinar ou reciclar coisa alguma, porra nenhuma.