Saturday, August 05, 2006

In te, Domine, speravi

Santa Maria Clara tinha nome e fama de Copacabana, mas desfilava há dezenove anos pelas bandas de Botafogo. Gostava do bairro. Da mesma forma como gostava de Derby mentolado, dar de quatro e bife à parmegiana. Saboreava a todos com igual prazer. As ruas cheias de gente. Às vezes, passeava por elas e comprava um sanduíche de queijo e presunto no botequim da Rua Paula Barreto, mas acomodava a maior parte do dia na cama. Tinha suas preferidas. Conhecia quase todas. Viver era uma questão de tempo, e Santa não perdia nenhum.

Os ponteiros a oeste quando conheceu Augusto Soares, uma tarde na Cobal. Forasteiro da Urca, das pernas grossas, fala macia. Ao longo da vida, se arrependeu de muitas coisas, e essa definitivamente era a melhor delas. O primeiro tapa foi também o último. Já os murros, como a história, gostavam de se repetir. O quanto pôde resistiu: comprou tempo e óculos escuros e nunca deixou de voltar. Duraram seis semanas. Morreu em segundos. Naquele dia, Santa limpou as mãos, a carteira e a alma.

Aquela seria a primeira vez, mas por não ter medo de ninguém, ou por ter medo de todos, desejou que não fosse a última. Desde então, passava horas a fio na janela, sempre à procura de um novo Projeto de Vida. Quando virou vinte, encontrou sem procurar, na padaria da esquina. Ele morava a dois quarteirões e se chamou José, coisa que a garota nunca questionou. Preferia assim. Beberam todas as tardes e fuderam todas as noites até o dia em que ele se retirou de sua vida, levando o colar de dona Luzia Maria Clara e trinta reais em cima da mesinha do quarto.

Botafogo acordou com um velho escroto que morreu no bar e Santa, com um sorriso no rosto. Morte era morte. Matada ou morrida. Não há nada a se lamentar quando se está diante dela. Não se tratava de justiça, disso passava longe. Por pouco. Todos os santos nasceram pecadores. Também os anões começaram pequenos. Da vida, nunca quis muito e recebia menos ainda. Conhecia-a bem demais para se importar com ela. Conhecia-se bem demais para se importar com qualquer coisa.

Os policiais vieram numa tarde de abril.