Saturday, May 20, 2006

Bon appétit

Como acabaria aquela noite? Ela era que nem martini, seca, e, pior, custava mais caro. Decidiu encarar a patroa mesmo assim. Todo o desespero daquela noite denunciava um movimento perfeitamente coerente com sua vida sexual dos últimos meses: rigorosamente nenhuma. Afinal de contas, os eunucos tinham uma posição social interessante na Índia, mas uma posição social não é necessariamente uma posição sexual. Sexo. Talvez não lembrasse mais como era. Uma vez tentara andar de bicicleta depois de quinze anos sem arranhar o asfalto e se estrepara todo logo na primeira esquina. Ditados mentem. Dor no cu, não. Enfim, melhor deixar rolar. Não é como se não praticasse bastante em casa. No trabalho. Nunca tomou café na hora do break. Via a si mesmo como um cara que praticava medicina terapêutica quando fosse preciso. Além do mais, seu desespero tinha nome: ABSTINÊNCIA. Não podia deixar a garota perceber, caralho. A garota. Cabelos e olhos morenos, boquinha safada, dos lábios grossos. Os de baixo ainda a conferir. ASAP. ABSTINÊNCIA. Se chamava Maira e não era exatamente bonita, mas também não era como se estivesse em posição de negociar. Como se pudesse estalar os dedos e arranjar um ringue de lama para o casting de Baywatch tentar a sorte pelo seu número de telefone. Há muito tempo desistira de encontrar a Foda Ideal. Fazia sentido. Nove meses áridos na cama de um homem, não. Simples. Só precisava de uma boa noite de sexo e um restaurante fora da vizinhança. À sua frente, seu encontro continuava a encará-lo com lasers castanhos ao mesmo tempo que ajeitava as alças do sutiã e cambaleava para o toalete feminino a cada nova taça de vinho, Chardonnay 1968, melhor da casa (pediu o prato mais caro). Ela era irritante, mas ele não ligava. Fazia sentido. Ela se chamava Maira e falava sobre coisas da vida (sic) enquanto ele se graduava na arte de mentalizar a gostosinha do escritório no carrinho de sobremesas da mesa ao lado. Rollin’ like a river, baby. Sim, sim, toda aquela porra fazia sentido, muito sentido de fato! E daí que ela não era a mulher dos seus sonhos, ou melhor, a mulher dos sonhos de ninguém? Ajudava admitir que já havia comido piores no passado. Tudo bem que a sobriedade nunca esteve ao seu lado em horas como aquelas, mas nisso estava trabalhando desde o começo da noite. Nele e nela. Cinco taças de vinho e trabalho braçal no banco da praça era o mínimo que esperava. Ela custava caro. Ele pagava o que fosse. Naquela noite, até uma mulher como Maira parecia o banquete dos deuses. E era mesmo. Hoje o prato principal viria depois da conta, crianças.