Sunday, October 22, 2006

Introdução à História do Cinema

( ou Tudo o que Você Nunca Quis Saber Sobre Cinema Europeu e Sempre Teve Coragem de Não Perguntar )
Primeiro módulo na formação de um cinéfilo porém de suma importância para o resto do curso, uma vez que aqui se dará seu primeiro contato real com o mundo do cinema a partir de uma série de (re)flexões acadêmicas com as mais conceituadas escolas ôropéias de retaguarda audiovisual. Já na primeira aula, ensinar-se-á como o cinema europeu se debruçou nos clichês mais inusitados e nos lugares-comuns menos visitados para compor um repertório fílmico com um padrão altíssimo de qualidade intelectual e, de quebra, alçar nomes como John-Luke Godár e Frank Trufô à Imortalidade, um lugar especialmente agradável para quem está em dia com o aluguel e satisfeito com a cor de seu cabelo.

O caixeiro-viajante é outra personagem recorrente na cinematografia européia a ser radiografada por aqui: figuras muito populares em países altamente impopulares, eles imprimiram forte fascínio em toda uma geração de artistas, literatos e vendedores de enciclopédia. Suas histórias de vida já inspiraram tramas inesquecíveis da cinemateca européia, como os épicos “E o Correio Levou...” e “Minha Vida de Inseto”, ambos dirigidos por Alfred E. Newman, cineasta talentoso porém amargurado pela crescente suspeita de que sua mulher o traía com seu próprio eu lírico toda vez que ele saía para comprar alcachofras.

Já “Croach Fiction – Tempos de Correspondência” seja talvez o mais belo expoente do movimento retaguardista – que tem como principal conceito-fetiche o uso de guaxinins enraivecidos para o papel da mocinha do filme. O longa-metragem, de autoria de um jovem diretor tcheco que, curiosamente, passou todo o processo de produção do filme acreditando que estava de fato estabelecendo contato com o espírito de um indígena escandinavo que sofria de gases, foi filmado em pleno Morro dos Ventos Uivantes - point mais badalado dos alternativos desde de que se descobriu que o ar da Colina das Brisas Sibilantes só era próprio para algumas espécies de vidas mais prosaicas, como bactérias, arbustos e high schools americanos.

Na realidade, não seria a primeira vez, tampouco a única, que caixeiros-viajantes se transformariam em baratas, estudantes de comunicação ou na roupa de baixo de Lionel Richie nas mãos de grandes nomes da Europa. Muitos desses diretores, no entanto, acabariam impedidos de prosseguir sua carreira devido à contração de uma estranha doença durante as filmagens do musical Le Kafcafé, cujos principais sintomas consistem em sudorese, verborragia e na incapacidade de cantar parabéns sem se despir na frente da família do seu namorado (e vice-versa).

O corpo docente do curso não deixa margem de dúvida quanto à excelência de seus catedráticos, começando pelo próprio diretor do curso, Andrrré Bazãn, fundador do histórico Cahiers du Cinemá e peso-pesado do ramo em todos os sentidos: o pensador não só é dono de uma perícia cinematográfica sem igual, como também possui uma compleição física capaz de comportar cem gêmeas Olsen em cada perna.

Air-Bargman, renomado cineasta e sociólogo dedicado ao estudo de hábitos culturais e marchinhas de carnaval suecas nas horas vagas, é o responsável pela cadeira de Sociologia, Hábitos Culturais e Marchinhas de Carnaval Suecas nas Horas Vagas. Infelizmente, o mais provável é que a turma perca a maior parte de sua fala por causa de um já lendário problema fonodiólogo, que faz com que ele só consiga lecionar suas aulas aos gritos e sussurros. (O que muitas pessoas julgam como mais intrigante na situação é o fato de sua audição ser, particularmente, bastante sensível, visto como toda vez que um aluno emite qualquer tipo de som da aula, ainda que para respirar ou recitar o refrão de I Will Survive em turco, ele imediatamente o xinga de Smultronstället e deixa a sala desabalado em ritmo de marcha atlética.)

Outro cineasta que costumava dar as caras por lá era Roman Polanski, responsável pelo módulo sobre a decupagem de menores até que, numa inesperada e de fato irônica reviravolta, foi obrigado a abandonar a carreira por motivos de uma força menor de idade. É claro que muitos outros nomes importantes já circularam pelos corredores da faculdade, mas a verdade é que, desde a última grande crise entre Bazãn e seu sanduíche de carne, que se recusava a ser chamado de hamburguer pela nova geração de estudantes, grande parte deles se aposentou para ir à Hollywood filmar documentários sobre o acasalamento entre espécies completamente distintas do mundo do espetáculo, como estrelas de cinema e os Oscares de Melhor Efeito Especial e Edição de Som de 1996.

Até o fim do período, o aluno será levado a fazer uma série de descobertas que mudarão para sempre sua relação com a Sétima Arte - o que provocará muitos ciúmes na Terceira e na Quarta, mas um polegar levantado de “é isso aí!” por parte de todas as outras. Em primeiro lugar, verá que sua capacidade de citar toda a obra de Pasolini de trás para a frente e pulando numa perna só será paulatinamente aprimorada. O que no futuro, lhe renderá, rigorosamente, nenhum sexo e algumas bolinhas de papel numa roda de discussão.

O aluno passará da condição de iniciante para iniciado e conquistará o direito de desferir opiniões que, a partir de agora, serão consideradas válidas pela Academia, contato que respeitem as regras básicas de nunca deixar de falar mal do cinema hollywoodiano e a passarem manteiga nos sapatos de outros cinéfilos como prova de sua superioridade. Contudo, sem dúvida a maior lição que poderá ser aproveitada depois de um semestre de curso será a revelação de que a vida pode até ser curta, mas que um filme de Fellini nunca o é.
( Escrito em 16.04.05, vai, projeto deixa-disso: é bobonitinho, affê. )

Friday, October 13, 2006

The strange case of Dr. Gahlinger and Mr. High

Parto normal? Give my vagina a break.

Paul Gahlinger disse quase tudo. Médico e escritor, publicou, em 2003, Illegal Drugs, um livro em que defende o uso de drogas para doentes que lidem com dores de intensidade semelhante a sessões de karaokê com Cindy Lauper cantando Ron Coby. Dia. Após. Dia. O que, a priori, permitiria a pacientes sem histórico masô se aliviarem curtindo um teco ou esbofeteando a pantera. Em suma: pariu? Pelo cu? Segundo o doutor, qualquer mulher à beira de um ataque de fetos pode, com uma justa dose de LSD, deixar de se sentir como Maria Antonieta de Las Nieves dando à luz toda uma equipe da NBA.

Fair enough? Tudo indica que sim. Muitas drogas de hoje já foram o remédio de ontem. Para endossar a premissa-mor de seu livro (a qual eu apóio com o mesmo fervor de um garoto de treze anos que vai à banca da esquina comprar sua primeira edição de Evil Tits), Gahlinger lembra que a proibição das drogas, antes de ser uma máxima científica, é baseada na tradição. Para qualquer pessoa mais esclarecida, afirmar isso é quase senso comum (que já se desconfia ser meio chapado anyway).

Até porque parece simples. E é mesmo. Para alguns séculos e outras tantas culturas, se o que o paciente precisasse para suavizar seu sofrimento era a mala-de-mão de Ozzy Osbourne , era isso o que ele conseguiria. Na era da Guerra Contra as Drogas, tudo mudou. Pra pior. Pois bem: imagine-se feliz. Chegue em casa, coma sua esposa e beije seu filho antes de dormir. Agora, adicione um câncer. Retal. Suas mãos tremem e não é da emoção em espiar sua vizinha fazendo ioga. Meses de hospital, DOR e gelatina. E quer saber? Comprimidos em tamanhos correspondentes a cada um dos Jackson Five não o farão se sentir fa fa fa far better, apesar do que a enfermeira gostosinha de E.R. ensinou pra você.

É complicado. Claro que é. Drogas podem ser legais no sentido “ei, vovô é gay!”, mas não no que concerne à lei. Há quem diga mais: a princípio, não há como impedir que uma reles enxaqueca faça com que o Natal chegue mais cedo na casa do Pete Doherty que existe dentro de cada um de nós. Você pode até falar, “ok, isso é aceitável”. Mas classificaria o leitor de “aceitável” uma performance de Fagner em collant e aramaico? Na verdade, o pensamento é simples: defina: dor. É complicado. Claro que é. Para um canceroso, por exemplo, não é uma questão de “se sentir dor”, mas de “quando sentir dor” – e isso é o tempo todo.

Acontece que, para algumas pessoas (e inclua nesse grupo “todas elas”), nem sempre essa enfermidade é sinônimo de um glioblastoma multiforme de grau IV pressionando seu cérebro a confundir sua mulher com um chapéu. Tio Schops que o diga: viver dá câncer. Como um todo. Empresários gordões à espera de massagistas suecas estapeando sua bunda flácida ao som de um hit qualquer da Enya dá câncer. Faustão dá câncer. Moral dá câncer. Sofia Coppola dá câncer. Fuder dá câncer. Câncer e sífilis. Tudo é relativo. Ou não.

Pois é precisamente aí que entra a tal da jurisprudência. Na hora de mandar para o saco uma retórica mais usada que sabonete de prisão pela indústria farmacêutica - controlada por poucos e porcos filhos da puta mais preocupados em inventar doenças novas e exóticas para embocar na população via supositório publicitário - o famoso “pau no cu do consumidor”. Se o argumento máximo para combater a legalização das drogas no caso de doenças é o de ser muitas vezes impossível saber se alguém não está sendo verdadeiro a respeito da sua condição apenas para facilitar seu acesso a substâncias ilícitas, ponho em pauta um ponto ainda mais válido ao meu ver: num mundo como o nosso, a sobriedade não é terminante: é terminal. Algumas coisas não entram na minha cabeça. Drogas, felizmente, não é uma delas.