Thursday, November 02, 2006

A Hora e a Vez de Billy Nayer


Dizem por aí que a cidade de Nova York nunca dorme. Não duvido que, pra qualquer filme de Antonioni, ela abra uma exceção. Apesar de todo o oba-oba a respeito da competência do signor do neo-realismo italiano, admito haver quem faça – e fale – melhor, o que pode ser comprovado numa das melhores entrevistas não lidas de todos os tempos, dada por Orson Welles ao (bem menos) célebre diretor Peter Bogdanovich.

Na conversa, Welles, já um filho da puta de respeito na versão bigger, larger and uncut dos seus anos finais, mete o pau em Godard, a trolha na nouvelle vague e respinga alguma coisa em toda essa borogodagem intelequituau que, na dúvida, opta sempre pela consagração mais irritante – daí o nariz torcido do entrevistado para os 122 minutos mais esquecíveis de sua vida com um filme de Michelangelo. De botar pra fuder, não? Pois – nas palavras do próprio – a história é a seguinte:

"Um dos motivos de eu me entediar tanto com Antonioni – aquela coisa de achar que uma boa tomada vai ficar melhor ainda se você continuar olhando para ela. Ele lhe dá um plano aberto de alguém andando pela rua, da cabeça aos pés. E você pensa: 'Bom, ele não vai levar essa mulher até o fim da rua'. Mas leva. Aí a mulher some e você continua olhando a rua depois de ela ter sumido".

Ora, ter alguém do peso de Orson chamando de cuzão a darlinga de toda essa cambada que venera (quase sempre sem saber o porquê) tudo aquilo capaz de provocar a maior concentração de bocejos por metro quadrado desde o último relatório sexual de Rivers Cuomo é mais do que animador. É gozante. E se a essa altura seja bem provável que você deva estar se perguntando por que consumi quatro parágrafos dessa resenha sem tocar uma vez sequer no filme que abriu a lauda em primeiro lugar, adianto: as razões são múltiplas.

Primeiro porque, mais do que uma obrigação, é sempre um prazer se valer de qualquer pretexto para incinerar o filme do italiano. A unanimidade, já dizia Nelson, é burra. Antonioni, por sua vez, é só chato. Não que o ritmo lento de suas obras seja a única coisa que me incomoda. Não é por aí. É pelo contrário. Eu aprecio Pasolini. Não me entediei com Last Days. Transaria com a Sandy. Eu gosto de lento. Eu curto lento. The American Astronaut, apesar de musical, não é nenhum Moulin Rouge, por exemplo: trocentas algumas-coisas pipocando na tela com o tipo de urgência que transfere o espectador à pele de um garoto de 14 anos pegando no seu primeiro peitinho.

As coisas tomam tempo – o quanto for necessário – para fazer sentido – e esse quase sempre é rigorosamente nenhum. Cenas absolutamente desconexas a uma simbologia ou a uma razão-de-ser criam uma aura niilista perita em passar a impressão de que, ao longo dos 91 minutos de filme, o diretor está tirando uma com a sua cara, e só. Se entrar no clima dele, beleza. Rio Yeti, por exemplo, é uma das cenas mais geniais da história do cinema. Tudo é nonsense. Nada faz sentido. Ou não. Como nos melhores Herzogues.

Também não é nenhum aspirante à Máquina Mortífera XVIII. As coisas não acontecem tudoaomesmotempoagora e a câmera se sente livre para prolongar momentos que fariam qualquer editor de Hollywood arrancar os cabelos – do cara ao lado. Aquela coisa de achar que uma boa tomada vai ficar melhor ainda se você continuar olhando para ela. Nosso filme, as a matter of fact, tem cenas do gênero. Mas não 94 anos. E muito menos pretensão maior para elas. Basta.

Em suma, o desconhecido Cory McAbee é quase tudo o que Antonioni não é. A medida perfeita. E, exatamente por isso, seríssimo candidato à melhor coisa que ainda não aconteceu para o cinema desde 1887 (um ano antes do booty shake contest rodado por Louis de Prince, que antecedeu os Lumière e se fundou como o primeiro feto prematuro da sétima arte). É uma pena – ou uma vantagem, sempre é incerto – que seja tão pouco conhecido, mesmo nos circuitos alternativos.

Até porque, de causar maior burburinho nos bastidores do palco alternativo, é verdade que Astronaut, seu longa de estréia, passou longe. Por pouco. Exibido no Sundance de 2001, competiu com queridinhos que, para muitos, até hoje dizem respeito ao que há de mais di-vi-no no übercult way of life, como Memento e Donnie Darko. Os três, aliás, comendo juntos da poeira da derrota levantada pelo vencedor nas categorias drama e diretor, Hedwig and the Angry Inch, o badaladinho musicult esquisitofrênico de John Cameron Mitchell.

What the fuckelse is new?
Há diversas formas de se começar uma crítica para The American Astronaut. Umas delas é descrever (ou morrer tentanto) o sci-fi spaghetti musical protagonizado por Samuel Curtis, um terráqueo contrabandista que recebe a missão de transportar um carregamento valiosíssimo para Vênus – um planeta habitado por toda uma raça de mulheres e um só homem para saciar seu apetite sexual: The Boy Who Actually Saw a Woman’s Breast, garotão de 15 anos que serve de inspiração para os trabalhadores de um planeta onde o contato com o sexo oposto é tão inimaginável quanto uma lua de mel vitoriana.

É possível, ainda, destacar o fabuloso trabalho da Billy Nayer Show, banda do diretor Cory McAbee que assina os números musicais (que, à moda da No Smoking Orchestra de Emir Kusturica, passa a refrescante impressão de algo enfim original por aí com performances como Girl With the Vagina Made of Glass). Quem sabe apenas o fabuloso trabalho do diretor Cory McAbee – ele próprio uma espécie de Orson Welles reloaded, um verdadeiro faz-tudo – e tudo bem pra carái – quando se trata da sua arte: escreve, produz, atua, dirige e traz (ou rouba) seu amor perdido em três dias, enfim, coisa pra caceta e do caceta.

Eu não sei escrever críticas. Nunca soube, sempre quis e tenho raiva de quem sabe. Sintetizar pensamento é foda – quatro laudas depois, you got the point. Mais foda ainda de se sintetizar, no entanto, é tudo aquilo que senti depois de trocênios alimentando a certeza de que cinema bom era isso aí, bom e enterrado no passado, enchendo as fuças de uísque com Welles, Leone e cia no bar mais capenga do Cemitério dos Fodões. Talvez The American Astronaut não seja tudo isso. Mas pode ser, sem parecer força a barra para tanto. Ao contrário da maioria por aí.

Ser indie – de independente, na origem correta e largamente abandonada do termo – acaba sendo um triste pleonasmo para os freqüentadores de uma statusfera alternativa pouco original, sempre à espera de um messias (que descerá à Terra lendo Kant e ficando doidão de pó após uns belos tapinhas na bunda da Baby Spice) para registrar o que é cool ou não numa tábua de novos mandamentos, cujo único valor digno de mérito é servir de base para alinhar suas carreiras.
Suponhamos que o average indie film maker produza 19 filmes por ano. O mais perto que ele chegou de Jim Jarmusch foi devorando um McWenders na 4º mesa à esquerda na lanchonete bacana de Sundance. Não é de todo fácil ser Jim. Não basta mostrar a bunda pro sistema. Até porque entre mostrar e dar a diferença é pouca. Cory não é Jim, mas é tão bom quanto (hesito em dizer melhor, mas WTF?). Cory é Cory. Outro à parte. Da parte boa. Cory é dos bons, doutor, pode confiar.

Woke up desthinking of you

que papo mais neo-cabeça.