Tuesday, January 30, 2007

E ela se chamava

Os cabelos continuavam os mesmos. Foi a primeira coisa que notou. Os cabelos e as botas. De couro. Vermelho. Todo o resto era diferente. A boca era diferente. Os ossinhos da clavícula. O tumor. Agora se chamava Carlos Alfonso, 39, não duraria. E como poderia? Já teve maiores. Mais velhos. Alguns malignos. Conhecia-a. Bem. Demais, até. Falamos sobre coisas sérias (fez careta) e tirei doce da criança. Smoothly. O pobre diabo era eu. Tudo. O barulhinho do salto alto datilografando o chão. Tec tec tec, tec. Tudo era diferente. O rebolado. Do rabo. Do cabelo (que era igual). Tinha os dois pés no chão. E pouco tempo fez, também duas mãos. Do rebolado. O rabo. Quarto 205. Pelo cabelo. O nome dela é Maria. Prazer, Maria.

Saturday, January 27, 2007

Ivan, o Terrível

No Rio, nove entre dez favelados são quinze. Palavra de Lessa.

Saturday, January 13, 2007

Continua, ela disse

Foi expulso de casa e deu uma festa para comemorar. Chamou alguns amigos, juntou a cerveja e comprou o pó, mas sentiu que faltava alguma coisa. Ligou para a Ritinha. O dia era: terça de. Manhã. Férias. A cada acrobacia nas cordas vocais da garota, tornava-se mais e mais consciente disso. Provavelmente, ela estaria curtindo uma senhora ressaca no exato momento em que cogitava se era possível transmitir o foda-se para o outro lado da linha usando apenas o poder da mente e talco polvilho. Há momentos na vida em que tudo parece conspirar a seu favor. Nenhuma terça de manhã em plena férias jamais conseguiu se qualificar como um deles.

- Ritinha. É o Paco.
- Ahhhhifjskc...
- Tá acordada? Escuta. A velha finalmente chutou meus córneos pra fora do apê e eu pensei num esqueminha pra celebrar, uma festinha, sei lá.
- Afffjkcmnskmx...
- Olha, preciso saber se sua mãe vai precisar do carro à noite.

A louraça ajeitou a calcinha. No cu. E bocejou sono pra fora – se recompôs (na medida do possível).

- A única coisa que minha mãe precisa à noite é do Prozac dela.
- Perfeito. Me pega às 19h?
- Tanto faz.

19h07 ela já estava lá. Não era daquelas mulheres que atrasavam, tinham corrimento e discutiam a dívida externa do Djibuti. Não, a Ritinha era outra coisa. Não sabia falar com gente. Nunca soube. Assim como Godard, sempre foi fã de si mesma. Mas era muito mais gostosa. Além do mais, gostava de astrologia e de tudo a qualquer coisa dependia se Vênus isso ou Júpiter aquilo. De boquete na praia a triplo assassinato. Não entendia porra nenhuma de nada do que ela dizia e, quando riscaram Plutão do mapa, pensou, “menos um planeta de merda pra encher o meu saco”. Eight to go.

Pararam em frente à loja dos Mímicos Retardados do Alabama, três baianos, uma enfermeira maneta e quatro macacos adestrados. Pediram para falar com o gerente. Um cara gordo com uma pochete escrota, jogada pro lado e soterrada por banha, saiu de trás do balcão. Não era o gerente. Um anão belga se apresentou. Com um duplo twist carpado. Ainda não era o gerente. Um Mímico Retardado do Alabama enfim anunciou: eu sou o gerente. Não era o caso. Paco e Ritinha começaram a se irritar e saíram da loja. Contrataram um mágico.

“Não que você se importe. Não que eu me importe. Não creio que ninguém no mundo se interesse pela minha história. E, Deus, tenho certeza que se tivesse optado pelas Escolhas Certas, o Carro Certo, a Foda Certa, o Emprego Certo, as coisas não seriam diferentes. Talvez seja aquela velha história do foda-se. Talvez algumas pessoas nasçam desgraçadas. Eu poderia estar roubando. Eu poderia estar pedindo. Mas eu estou aqui, fazendo mágica... e nem criança tem nessa porra. Só um bando de viadinhos chapados. Que porra é essa, afinal?”

Três pessoas assistiam ao espetáculo. Uma delas, paralíptica, colocada ali de sacanagem pelos amigos, alternava “seus filhas da puta!” com “me tirem daqui!”, e finalmente “foda-se, viver não vale a pena”. Não falou mais nada. O mágico anunciou seu próximo número, Aquele em que a gilete corta meu pulso e eu tiro o pau da cartola. Ha-ha-ha, umas gordas riram mas Ritinha virou os olhos. Uma da matina e a festa já estava uma merda.

- Legal, seu retardado. Contratou um mágico maníaco-depressivo.
- E o que você queria?
- Você só tem amigos escrotos. Você é escroto. Aposto que você e seus amigos escrotos se orgulhavam de passar as tardes fazendo campeonato de punheta com a foto da tua mãe e depois ligavam para a Globo e mandavam o Chacrinha tomar no cu. Eu vou embora.
- Siga o seu coração.

A garota olhou pra ele com algo próximo de Carinho Incondicional e Desprezo Absoluto Pela Raça Humana. Lá fora, as coisas não estavam melhores. A cerveja estava mais quente que o interior das calças do Michael Jackson no especial de fim de ano da Unicef. O mágico colocou a gola pra fora, o pau pra dentro. Uma das gordas vaiou. Outra delas se conteve com um uivinho de protesto.

Odiava quando ela fazia essa cara. De quem entende melhor um húngaro narrando uma partida de críquete em latim arcaico do que aquelas palavras. Pousou a mão dela em cima do seu pau. Vôo rasante. Agora faltava pouco. Quase duro. Pronto para uma standing ovation. Vai, Ritinha. Colabora, Ritinha. Assim, Ritinha. A festa estava só começando. peganomeupau, Pega. Seu toque era como se dissesse: step aside, ladies, today this lad is all mine.

- A gente não começou nada.
- E se tivesse começado?
- Então eu estaria terminando.

Eh, Ritinha, ah, Ritinha. E não adianta fazer balanço dos anteriores. Foram bons, foram ótimos, foram maravilhosos, foram superfantásticos. Step aside, ladies. Olhem para ela. Olhou para mim. Riu e ri também mas ela o fez por último. Imaginei se no dia seguinte os jornais dariam destaque à Incrível loura que foi embora para seguir seu coração, a imprensa é uma filha e uma puta.

Já o meu segui até o banheiro dos fundos, Playboy, página 17. Me fudi.