Sunday, February 12, 2006

Junebug me

Um filme que ninguém viu, pois então. Fiz à toa. Don't bother.

Difícil encontrar voz discordante: Junebug é indie da cabeça - coberta com os penteados minuciosamente desgrenhados – aos pés - calçados no velho all-star surrado. Em Sundance mode: on durante os 107 minutos de película e com trilha sonora assinada por um memorável trabalho da veterana Yo La Tengo (banda íntima do círculo alternativo), a première em longa-metragem do diretor Phil Morrison tem como mérito, ainda, possuir um algo-a-mais que o cheap look já carimbado do cinema independente made in USA. Uma vantagem que, no páreo final, revela-se responsável por fazer o filme disparar à dianteira como um dos mais autênticos e (portanto) melhores retratos da América como ela é dos últimos anos.
Em sintonia afinada com o roteirista Angus McLachlan e à procura dos Estados Unidos da Outra América, Morrison carrega a história para os confins mais provincianos da Carolina do Norte quando Madeleine (uma afiada Embeth Davidtz), habituée do cosmopolitan way of life da cidade grande, passa pelo teste de fogo de conhecer a família do marido, George (Alessandro Nivola), um golden boy do Sul relativamente despido da mentalidade interiorana. Uma experiência que melhor cairia como sabatina, e que não a deixará imune às queimaduras geradas pelas faíscas mais do que esperadas com a colisão de dois mundos completamente distintos.
A história abre. Logo, acompanhamos a jovem marchande, lado a lado a George - com quem casou semanas? dias? instantes? após conhecê-lo num ímpeto de paixão - percorrer a trilha caipira do país em busca de David Wark (Frank Hoyt Taylor), um artista plástico que ventila ares marginais com suas pinturas de pênis gigantes e escravos de rosto branco. (“É que eu nunca vi um negro na minha vida. Então, eu ponho neles o rosto das pessoas que mais gosto.”) Se há ironia na explicação de sua obra? Difícil dizer. Wark, à moda vanguardista, não parece dotado ou com a vontade ou com a capacidade – quiçá ambos – de se fazer claro para o mundo exterior.
Uma vez próximo à região em que cresceu, George deixa seu pensamento escapar em voz alta na forma de uma proposta: e por que não levar a esposa para apresentar ao que, anos mais tarde à sua partida, aprendera a ver como lar, amargo lar? Se Madeleine se mostra pronta a conquistar o coração da família, descobre logo, no entanto, que simpatia não é quase amor no final da contas. Recebida pela casa com uma hostilidade barely covered por uma roupagem de polidez, não demora para perceber que deverá duplicar as doses de tempo e esforço – e triplicar a de paciência – caso ainda queira lutar por um lugar cativo no coração dos pais e irmão do esposo.
Na verdade, a única pessoa a acolher Madeleine com braços abertos e sem dar segundos pensamentos é Ashley (Amy Adams), uma típica garota do interior cuja personalidade é feita a tal ponto de açúcar que o espectador – junto à jovem marchande - vê-se mais de uma vez às voltas com um par ou ímpar mental entre nutrir irritância deliberada ou simpatia irrefreável frente à doçura aspartame – e ao desespero, o que pode por vezes soar redundante - da mulher grávida de Johnny (Benjamim McKenzie), o irmão caçula. E a atuação de Amy mereceria por si só uma resenha à parte: já os primeiros minutos em tela bastam: o filme é ela.
Colecionadora de várias indicações (sendo a mais recente delas a de melhor atriz coadjuvante no Oscar, o eterno pote – ou melhor, careca – de ouro do cinema americano) e prêmios pelo papel, a jovem atriz transmite à perfeição os tiques de ingenuidade e inquietude de uma típica – e desmistificada - girl next door às portas de um mundo adulto para o qual ninguém a preparou. Madeleine, no fundo, representa a Ashley o farol de sofisticação que poderá guiá-la na reconquista de um pouco afável Johnny, comprado por uma espécie de sapo-por-príncipe, gato-por-lebre pela esposa naive.

Mas, antes de vilanizar uns personagens em prol das redenção de outros, Morrison conduz uma narrativa que não dá brecha no sentido de insistir em lembrar ao espectador que, somados erros e acertos, histórias e estórias, culpas e palavras, todos os personagens são exatamente a única cousa que lhes cabe ser: humanos. Demasiadamente humanos. Assim, ainda que a função protagonista de Embeth e a atuação hors concours de Amy garantam os holofotes a Madeleine e Ashley, nenhuma sombra passa ao largo da dupla Morrison e McLachlan: a tensão (não tão) latente entre irmãos, os encontros e desencontros de George com suas raízes sulistas, a dificuldade de comunicar-se com aqueles que ama por parte do patriarca Eugene (Scott Wilson) e o misto de medo e sentimento de inferioridade que pincelam a recepção pouco calorosa de Peg (Celia Weston) à chegada da esposa cosmopolita - uma menina tão bonita... tão inteligente! the enemy! a outra! –, a nova inquilina do coração de seu filho.
O espaço para dúvidas é curto: ainda que como fagulha, Madeleine está longe de ser a pólvora que alimenta a explosiva atmosfera de conflitos entre pais e filhos, irmãos e irmãos, amantes e amantes. No entanto, tanto a chegada desta nova personagem em cena quanto o advento de uma tragédia inesperada serão pontos cruciais para que o leite derramado, azedado, mereça algumas das lágrimas sufocadas ao longo dos anos.
E nesse sentido, Junebug é um drama familiar porém podado de melodrama, que tem como preocupação capital pontuar os caracteres de um Estados Unidos tido como por demais opaco para fazer jus ao brilho hollywoodiano. Pois seu maior valor reside precisamente aí. Ao derrapar nos emblemas do provincianismo americano sem contudo tombar naquele quinhão de esteriótipos já recorrentes ao gênero, Phil Morrison surpreende com um sensível flagrante de pedaços da vida e do sonho de alguns dos sobrinhos menos glamourosos do Tio Sam. Um filme de família, mas no melhor dos sentidos.
Tudo, ainda, sem abrir mão de um humor de PH - 10 (mas sem o ar forçado que muitas vezes impregna o estilo) e uma câmera compassiva, com alguns espasmos de nouvelle vague (sem pôr, no entanto, a originalidade em arritmia). Junebug é prova de que nem sempre é preciso ter uma Asia Argento tentando a qualquer custo fazer filmes bons que desviem do lugar-comum com estilhaços e estilhaços de recursos fílmicos a cada novo quadro dispostos a provar a autenticidade do seu trabalho. Um relato simples sobre a outra história americana contado com um tino que fala volumes pode bastar para compor uma das surpresas mais agradáveis do ano passado – uma pequena obra prima, ainda que de segundo grau.

Acidez e cinismo suficientes para justificar o label indie presentes em uma narrativa que revela mais vocação para acertos do que para erros; nada com sérios riscos de fazer bonito nas bilheterias, enfim. Pois ao flanar pela última edição do Festival do Rio sem atrair maiores atenções, longe de provocar comoção popular, o abre-alas de Phil Morrison na direção cumpre à risca o que parece ser o apelo máximo de seu seleto público – o de ser uma pérola cinematográfica que a cultura underground talvez prefira esconder dentro de sua ostra, às escondidas do mais vulgar neanderthal hollywoodiano (sempre a posto para descascar o esmalte indie que cinge a obra com sua perversa acetona comercial). Bobagem. Junebug é nocaute na certa com luva de pelica e merece um público maior do que meia sala lotada em sessão quase única de festival cinematográfico.

4 comments:

Bruno said...

Eu vi, Ibiza. Deixa de ser esnobe!

(Não li o texto, mas assim que chegar em casa eu faço leitura dinâmica em S.)

Anonymous said...

É, eu não vi... mas bem que gostaria de ver... Acontece que na metrópole que vivo este tipo de filme nem sequer é cogitado em ser exibido, nem nunca será, baixar da net é um sufrágio, dado seu caráter meio indie de ser... Resta esperar alguns meses até que cheguem os dvds...
De qualquer forma, tá anotada a sugestão... e que crítica então... poxa, eu me sinto até mal por me considerar qualquer coisa próximo de cinéfilo quando leio você e a amanda... :P

Bruno said...

Li, mas discordo de praticamente tudo, acredite. Começando pelo label indie e terminando no ar da nouvelle vague.

E, principalmente: na minha modesta opinião, errou a mão nos estrangeirismos, Hannah Virginie.

Mimi Merlot said...

Da próxima vez que for me desmoralizar, faça-o em pvt. Ou com um tele-prompter gigante no meio do Laguinho.

Reli e concordo - comigo. (Mas eu sou parcial...) Vi o filme trocéculos antes d'escrever, mas não sei. Forcei a barra na indioise, mas assino embaixo de muita coisa ainda.