Sunday, September 09, 2007

Lôra Maria

Se chama Maria. Me chama Carlos. A não ser quando sua língua passeia pelos meus bagos. Como shopping. Voltas e voltas no mesmo lugar. Uma beleza. Aí é Cacá. De resto é sempre Carlos. Carlos. Carlos não trata bem o papagaio dela, reclama. Está sempre reclamando de alguma coisa. Diz que gosta de falar do útero do fundo da alma, que não gosta dessa gente que mede palavras como quem ajusta vestido Prada. Gostaria de ouvir menos sua voz, mas não falo nada. Gosto da garota. Cabelos louros, bem louros, na nuca. Ontem foi-se um mês desde que mudou para o prédio. 604. Gosto dela o bastante para aturar sua voz, e a da ave odiosa. Não entendo o que poderia querer com um papagaio. Não pergunto. Ela explica mesmo assim. Explica que, no século 16, depois de fumarem muito pau-brasil, uns caras decidiram que o paradeiro do Éden era a América do Sul. Tinham mapa, previsões e uma idéia na cabeça: PAPAGAIOS.


Sento, ela no meu colo. Encaixa. A história é esta,


No início era assim. Era o verbo. Os animais faziam mais que correr livremente pelos prados verdes e frescos do paraíso, a bolinar Eva enquanto Adão se ocupava em desacreditar o Letrismo – escola histórica hoje pouco afamada para a qual a Bíblia nada mais foi do que uma sopa de letrinhas que Deus derramou durante uma briga com Lúcifer, o anjo mais punheteiro da confraria, líder da primeira greve da história ao se recusar a completar tarefas como a paz mundial, o Grand Canyon e a depilação da Cláudia Ohana. Antes de imundo, o mundo falava. Toda a Tropa de Elite do Senhor era dotada de perfeita capacidade vocal para discutir vida, esperança e amor ao próximo, ou ligar para Alá e mandá-Lo despachar o corão via cudex. Até o dia em que o saco divino encheu. Expulsou as crianças de casa. Deliberou o fim do falatório no seu zoológico pessoal. E o resto é história. Má história. A História dos Homens.


Milênios depois da Grande Sacanagem, a humanidade continua condenada. Assim Maria conta. Acrescenta que os papagaios, para os nossos chapados do século 16, representavam redenção. Redenção porque conservaram o dom da fala, e, no reino animal, onde há fala, há paraíso. Assim Maria continua: no Brasil, tinhamos pencas deles. A história parece empolgá-la. Excita-la. Posso sentir e a ajeito em meu colo. Num instante visualizo sua buceta se abrindo para mim, emoldurada por lâmpadas em néon que imitam um papagaio, Vegas style. Nunca acreditei na existência do paraíso, mas, por via da dúvidas, enfiei dois dedinhos para conferir se ele andava mesmo pelo Brasil. 604. Ela gemeu. Lôro ecoou. Tive vontade de mandar os dois calarem a boca, mas não fiz nada.

4 comments:

Anonymous said...

=*
muito bom!
beijos,
carol.

Anonymous said...

Ooh
continua, continua, continua, conti

Gisele Marques said...

Intrigante. Excitante. Anna Virginia.

Ricardo Senra said...

Anna. Intrigante. Virginia Excitante.